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anywhere i lay my head (como a musica do Tom Waits)

  • segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
  • Wash.
  • ele prepara algo pra comer, nada muito complicado e em pouco volume pra não ter que jogar metade fora. ele come assistindo algum programa cretino que passa na tv, sem prestar muita atenção no conteúdo. o pensamento está em um lugar muito distante dali. ele termina a refeição automatica e se deita, exatamente do modo que imaginou que seria ao se levantar, pela manhã. tudo que ele quer agora é algum lugar pra descansar sua cabeça. e tenta pegar no sono, em vão.

    uma hora e meia antes ele entrava pelo predio. o elevador está quebrado de novo. dois andares pela escada em caracol e ele pára na frente da porta. gira a maçaneta, coloca a cabeça porta adentro e ve sua gata se arrastando preguiçosamente pela cozinha. um miado receptivo, tipo um "oi, que bom que voce voltou" e ela despenca no chão num misto de satisfação e ócio felino. em agradecimento à recepção ele afaga sua cabeça, pergunta o que ela fez de bom hoje e troca o restinho de sua ração por uma nova, fresca e saborosa. troca sua agua por um pouquinho de leite também. ela fica feliz, ele sabe disso.

    tres horas e cinquenta minutos antes ele para no café onde alguns de seus amigos se reunem. ele não encontra ninguem. ele não sabe se isso é bom ou ruim, mas fica lá e pede um café. observa o movimento todo em volta, as pessoas apressadas que nunca param e algumas outras que não tem nada pra fazer. outras ainda que não procuram nada pra fazer, como ele. resolve ir ao cinema. poderia ver qualquer filme, mas escolhe um que já tinha visto com ela. um filme sobre um cara que ama uma garota mas quer esquece-la a qualquer modo. parece um monte de outros filmes que ele já viu, mas a grosso modo esse é diferente. ele se identifica com o cara do filme. um pouco antes do fim ele se levanta e sai, afinal ele já sabe o acontece no final. está na hora de ir pra casa, ele pensa.

    cinquenta e cinco minutos antes ele caminha pra casa. a cabeça um turbilhão, pensando mil coisas por segundo: erros. insonia. pessoas na rua. uma música do Tom Waits não lhe sai da cabeça. transito. trabalho. ontem. lavar a roupa. um garoto com seu cubo mágico. comida de gato. e ela. a maior parte dos pensamentos sempre se voltam pra ela. tem algumas coisas pra fazer em casa, mas prefere fazer o resto do caminho todo a pé (na verdade nem quer voltar pra casa. ou pelo menos quer chegar o mais tarde possivel). resolve fazer uma parada.

    meia hora antes disso seus pensamentos são interrompidos dentro do vagão, enquanto observa um garotinho brincando com agilidade com um cubo mágico. o garoto monta as faces do cubo em segundos, coisa que ele proprio nunca conseguiu. se pergunta onde estaria o seu cubo e lembra que o atirou numa lixeira na rua da ultima vez. seu ponto chega e ele sai do vagão.

    quinze minutos antes ela o acompanha ao entrar no metro. com um sorriso ela se despede. ele recebe um leve beijo no rosto e entra no vagão do trem. ela acena e ele retribui, sentado no banco ao lado da janela. o metro parte e ele a perde de vista, na estação.

    meia hora antes ele a encontra. ela o esperava na esquina de casa ha alguns minutos. tudo bem: a espera, naquele momento, já não a incomodava mais. não fazia mais diferença. ele chega com uma pequena caixa nos braços, com as poucas coisas dela que ainda sobravam em seu apartamento. era uma troca boa: coisas importantes pro uso dela do dia a dia fariam seu papel, e ao mesmo tempo o pouparia de esbarrar com tal objeto em casa, e consequentemente com uma lembrança que o faria sofrer. eles se cumprimentam com olhares baixos e poucas palavras. ele pergunta se falta alguma coisa, já sabendo que não: tomou todo o cuidado pra que não sobrasse nada. ela diz que acha que está tudo ali. ele segura a sua mão e a puxa para si, sua boca em direção a dela. mas ela nega. diz pra não fazer isso, pra não piorar as coisas, por favor. ela não quer ve-lo sofrendo mais. ele vacila. se afasta. coloca a cabeça no lugar e pensa que isso só vai piorar as coisas mesmo. eles conversam calmamente agora. apesar de tudo ela consegue anima-lo. eles caminham pela quadra, conversando sobre qualquer coisa aleatória, sobre um amigo qualquer, sobre uma estoria qualquer.

    uma hora e meia antes ele acordava. mesmo sem abrir seus olhos ele já sabe como será seu dia inteiro. ele visualiza cada detalhe, cada palavra que será dita, cada decisão que será tomada e que mudarão, a partir de hoje, a sua vida e a dela. finalmente ele abre os olhos, mas ainda mantém a cabeça repousada sobre o travesseiro, tão pesada quanto estará a noite quando ele voltar a se deitar. tudo que ele pensa é na briga da noite passada, ele a deixando sozinha no meio da rua, ela ligando pra entender porque ele fez aquilo, ele não quer explicar, ela dizendo que aquilo lhe fez tomar a decisão que ha tempos ela engolia só pra si, e que não quer mais ve-lo, ele desligando sem responder de volta. então se senta na cama. e mergulha na escuridão do novo dia que lhe nasce.

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