as desventuras de Benzina (parte 2: o encontro com o tubarão)

  • sábado, 24 de janeiro de 2009
  • Wash.
  • ok, criei coragem pra dar sequencia à segunda parte pra essa que pode ser a menor epopeia da historia - e a mais obsoleta, isso com certeza - onde encontramos nosso heroi Benzina flutuando nas aguas escurecidas de Santos circulado por uma barbatana e seu tubarão, sedentos por carne fresca de paulistanos farofeiros adictos em drogas. como isso aconteceu?: bom, peguei ele contando a estoria a partir desse trecho quando cheguei na banca... mas depois me contaram a façanha por completo desde o inicio e, desacreditado, mais uma vez chorei na rampa pelo descaramento do nosso compatriota ao relatar tal conto de vigario, e consequentemente, pensar que nascemos ontem!...

    dessa vez relatava ele sobre descer até Santos num final de semana qualquer, em outra ocasião além daquela da moto - sim, por certo ele descia até o litoral com a frequencia de um garoto proletário que finge ser da média-alta - bem, dizia que naquele dia ele, sua garota e alguns amigos aproveitavam o calor da praia central e a rebentação espumante das ondas sujas santistas. chegara logo pela manhã, antes do sol estalar na nuca. no carro traziam pranchas, baseados e baralhos. pro rango básico, traziam frangos, guarnições de arroz e salpicão e torta de forma, bolos pullman de supermercado e muita, muita cerveja nos isopores com gelo. algo dizia que aquilo tudo não cairia muito bem...

    pois bem, o programa corria ao combinado: ao chegarem já foram logo caindo na agua, pegando algumas pequenas ondas por conta da rebentação baixa. do meio do dia à parte da tarde se resguardaram do sol forte sob os guardasóis dos quiosques, comeram seus rangos, beberam quase toda a cerveja que trouxeram - o que não ficou quente no isopor, por suposto - e compraram mais dos ambulantes caiçaras... se embebedaram, basicamente. por fim, pra completar o indigesto cardapio praiano, comeram uns bolos e compotas que trouxeram na viagem. ele proprio comeu sozinho dois daqueles rocamboles enjoativos. satisfeito, ele se jogou na areia quente pra pegar um bronze. dormiu, induzido pelos efeitos da digestão pesada e pelo grau da cachaçada.

    acordou todo ardente, vermelho pela exposição exagerada ao sol e ao mormaço. a melhor ideia que teve nesse momento foi se levantar e correr pra agua salgada do mar e se atirar, pra dar aquela aliviada no ardor. resolveria momentaneamente, até o sal da agua começar a penetrar a pele ressecada e a sensação de queimação aumentar, mas isso não vem ao caso na estória; acontece que a agua fria do mar lhe despertou as sensações de volta, e resolveu nadar um pouco. mesmo correndo o risco de uma cãimbra pós digestiva, nadou. nadou a revelia, até um ponto que se sentiu distante e desnorteado; olhou pra tras e estava longe da praia mesmo, mas ok: desde que começasse a voltar com calma, chegaria de volta à praia são e salvo. nas primeiras braçadas de volta, sentiu um esbarrão no pé. achou estranho, mas imaginou que provavelmente era algum peixinho pequeno curioso ou um sargaço sem direção. continuou nadando e sentiu mais outro esbarrão, dessa vez deslizando em sua perna por tempo demais pra ser um peixe pequeno. parou flutuando um pouco e viu a barbatana. era o que ele temia: uma porra dum dum tubarão.

    "...que eu faço, que eu faço, que eu faço...", pensava insistentemente e sem chegar a uma resposta: se ficasse parado, uma hora seria mordido. se tentasse nadar e se debatesse com violencia na agua, seria abocanhado de uma só vez como um leão marinho. não via embarcação nenhuma ao redor, ninguem pra pedir socorro, e a praia ainda distante. e a proximidade do tubarão era relevante: só um milagre o salvaria.

    mas no vocabulario do Benzina constava sim, a palavra milagre. e foi o que aconteceu. quando a derradeira hora se aproximava, ele sentiu algo grudado em suas costas. poderia ser um desses pequenos peixinhos parasitas do tubarão, que se grudam na sua pele pra pegar os restos de suas refeições. bateu a mão em cima e puxou para si: era a faquinha de plastico, aquelas que vem dentro das embalagens de rocambole que ele havia comido ha horas; ao abrir o rocambole, Benzina em sua grotesca falta de senso civil, jogou a embalagem na areia da praia pra degustar melhor o quitute, sem o incomodo de pedacinhos de plastico na boca (sic...). a faquinha voou pra tras de suas costas, e após devorar tudo ele se deitou sobre a faquinha, que adquiriu aderencia incrivel à sua pele ao combinar a loção bronzeadora com a grossa camada de gordura vegetal hidrogenada que vinha exposta no rocambole.

    muito bem, voce deve estar imaginando o que ele nos contou a seguir. e foi isso mesmo que ele contou. exatamente. vamos fazer um corte abrupto e uma colagem na proxima cena, e resumir que o Benzina chegou à costa da praia carregando um tubarão pelo rabo e uma faquinha de rocambole quebrada ao meio, coberta de sangue do animal feroz...

    mas até a cara de pau do Benzina teria um limite?: ao dizer que teria "matado o tubarão com as proprias mãos e uma faquinha de rocambole", não conseguiu evitar de escapar uma risadinha presa em sua garganta. mas isso não o fez desmentir todo o ocorrido. nem tampouco o coro de "aaaaahhhhhs" que a galera soltou! não, de modo algum! ele teria uma foto em casa do peixe grande, e numa outra oportunidade nos mostraria, sim, com certeza!!...

    é. a cara de pau dele não tinha limite não.

    anywhere i lay my head (como a musica do Tom Waits)

  • segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
  • Wash.
  • ele prepara algo pra comer, nada muito complicado e em pouco volume pra não ter que jogar metade fora. ele come assistindo algum programa cretino que passa na tv, sem prestar muita atenção no conteúdo. o pensamento está em um lugar muito distante dali. ele termina a refeição automatica e se deita, exatamente do modo que imaginou que seria ao se levantar, pela manhã. tudo que ele quer agora é algum lugar pra descansar sua cabeça. e tenta pegar no sono, em vão.

    uma hora e meia antes ele entrava pelo predio. o elevador está quebrado de novo. dois andares pela escada em caracol e ele pára na frente da porta. gira a maçaneta, coloca a cabeça porta adentro e ve sua gata se arrastando preguiçosamente pela cozinha. um miado receptivo, tipo um "oi, que bom que voce voltou" e ela despenca no chão num misto de satisfação e ócio felino. em agradecimento à recepção ele afaga sua cabeça, pergunta o que ela fez de bom hoje e troca o restinho de sua ração por uma nova, fresca e saborosa. troca sua agua por um pouquinho de leite também. ela fica feliz, ele sabe disso.

    tres horas e cinquenta minutos antes ele para no café onde alguns de seus amigos se reunem. ele não encontra ninguem. ele não sabe se isso é bom ou ruim, mas fica lá e pede um café. observa o movimento todo em volta, as pessoas apressadas que nunca param e algumas outras que não tem nada pra fazer. outras ainda que não procuram nada pra fazer, como ele. resolve ir ao cinema. poderia ver qualquer filme, mas escolhe um que já tinha visto com ela. um filme sobre um cara que ama uma garota mas quer esquece-la a qualquer modo. parece um monte de outros filmes que ele já viu, mas a grosso modo esse é diferente. ele se identifica com o cara do filme. um pouco antes do fim ele se levanta e sai, afinal ele já sabe o acontece no final. está na hora de ir pra casa, ele pensa.

    cinquenta e cinco minutos antes ele caminha pra casa. a cabeça um turbilhão, pensando mil coisas por segundo: erros. insonia. pessoas na rua. uma música do Tom Waits não lhe sai da cabeça. transito. trabalho. ontem. lavar a roupa. um garoto com seu cubo mágico. comida de gato. e ela. a maior parte dos pensamentos sempre se voltam pra ela. tem algumas coisas pra fazer em casa, mas prefere fazer o resto do caminho todo a pé (na verdade nem quer voltar pra casa. ou pelo menos quer chegar o mais tarde possivel). resolve fazer uma parada.

    meia hora antes disso seus pensamentos são interrompidos dentro do vagão, enquanto observa um garotinho brincando com agilidade com um cubo mágico. o garoto monta as faces do cubo em segundos, coisa que ele proprio nunca conseguiu. se pergunta onde estaria o seu cubo e lembra que o atirou numa lixeira na rua da ultima vez. seu ponto chega e ele sai do vagão.

    quinze minutos antes ela o acompanha ao entrar no metro. com um sorriso ela se despede. ele recebe um leve beijo no rosto e entra no vagão do trem. ela acena e ele retribui, sentado no banco ao lado da janela. o metro parte e ele a perde de vista, na estação.

    meia hora antes ele a encontra. ela o esperava na esquina de casa ha alguns minutos. tudo bem: a espera, naquele momento, já não a incomodava mais. não fazia mais diferença. ele chega com uma pequena caixa nos braços, com as poucas coisas dela que ainda sobravam em seu apartamento. era uma troca boa: coisas importantes pro uso dela do dia a dia fariam seu papel, e ao mesmo tempo o pouparia de esbarrar com tal objeto em casa, e consequentemente com uma lembrança que o faria sofrer. eles se cumprimentam com olhares baixos e poucas palavras. ele pergunta se falta alguma coisa, já sabendo que não: tomou todo o cuidado pra que não sobrasse nada. ela diz que acha que está tudo ali. ele segura a sua mão e a puxa para si, sua boca em direção a dela. mas ela nega. diz pra não fazer isso, pra não piorar as coisas, por favor. ela não quer ve-lo sofrendo mais. ele vacila. se afasta. coloca a cabeça no lugar e pensa que isso só vai piorar as coisas mesmo. eles conversam calmamente agora. apesar de tudo ela consegue anima-lo. eles caminham pela quadra, conversando sobre qualquer coisa aleatória, sobre um amigo qualquer, sobre uma estoria qualquer.

    uma hora e meia antes ele acordava. mesmo sem abrir seus olhos ele já sabe como será seu dia inteiro. ele visualiza cada detalhe, cada palavra que será dita, cada decisão que será tomada e que mudarão, a partir de hoje, a sua vida e a dela. finalmente ele abre os olhos, mas ainda mantém a cabeça repousada sobre o travesseiro, tão pesada quanto estará a noite quando ele voltar a se deitar. tudo que ele pensa é na briga da noite passada, ele a deixando sozinha no meio da rua, ela ligando pra entender porque ele fez aquilo, ele não quer explicar, ela dizendo que aquilo lhe fez tomar a decisão que ha tempos ela engolia só pra si, e que não quer mais ve-lo, ele desligando sem responder de volta. então se senta na cama. e mergulha na escuridão do novo dia que lhe nasce.

    sobre insetos asquerosos

  • terça-feira, 13 de janeiro de 2009
  • Wash.
  • sempre achei irracional esse medo que as pessoas sentem de insetos ou pequenos animais rastejantes. uma besteira, um mísero insetinho quinhentas vezes menor que você: basta uma boa chinelada, a pressão do pé, e pronto. o bichinho vira merda.

    pensava assim, até o dia que abri a porta da minha casa e ele estava lá, estático, com aquelas antenas angustiantes balançando pra mim, ao lado do interruptor da entrada. entrei em choque. não sabia se tirava a mão do interruptor, se batia rapido não-sei-com-quê em cima dele, se saia correndo. só conseguia olhar apavorado, um arrepio ruim no corpo. ela me perguntou "que foi?" e eu continuava na mesma posição em forma de aroeira, mudo, irredutível. "caramba, que foi?? entra em casa, poh!" e eu não conseguia. apontei com um movimento repetitivo do queixo e só então ela viu o monstro pendurado na parede. "putz! aquele bicho..." e com naturalidade ela tirou um sapato e bateu na parede com rapidez, contando com o vacilo do bicho que provavelmente teria vazado muito mais rapido se tivesse notado a pancada derradeira. levantou o sapato e o bichinho jaz, só uma melequinha tinha sobrado grudada na parede. graças a qualquer maldito deus, estava morto. e eu branco feito paina, feito merda de crocodilo albino: havia descoberto o que era a verdadeira e inconsciente fobia de um inseto infinitamente menor que eu.

    uns nove ou dez meses antes disso eu ouvira falar pela primeira vez na vida sobre esse maldito inseto. era conhecido popularmente no Japão como Geji-Geji, ou simplesmente lacraia japonesa; o noticiario japonês falava sobre uma dona de casa que recolhia um lençol no varal e súbito sentiu uma picada no antebraço e um pequeno inseto correndo incrivelmente rapido pelo lençol seco. a picada foi doendo, doendo, o local ferroado foi inchando. em 24 horas a dor era insuportável; doía como uma picada de escorpião, e uma imensa mancha preta cobria o local ferroado com uma pequena formação de necrose no epicentro. agora imagine aí na sua cabeça, faça uma visão mental da seguinte figura: uma lacraia, com uns oito centimetros de comprimento. no lugar das pernas curtas de lacraia normal, de um centípede comum, pernas enormes de aranha. antenas asquerosas de barata se movimentando o tempo todo. um belo par de truqueses venenosos na cabeça. e um andar atribulado e velocissimo, mais rapido que qualquer inseto rastejante que eu já tinha visto. é um inseto do mato, mas no inverno ele hiberna debaixo dos tatames confortavelmente aquecidos, longe do frio severo e da neve densa do inverno japonês, e é aí que acontece o contato entre os homens. era com isso que me deparei naquela porra. posteriormente, fuçando na internet, descobri que essa lacraia nem era tão venenosa quanto à lacraia gigante, a Mukadê. mas no noticiário era da Geji-Geji que falavam, portanto nem quero saber quão venenosa é essa Mukadê.

    essa era a segunda vez que eu via um desses na minha casa. a primeira vez foi absurda, mas não aterradora pra mim. mal sabia o perigo que aquilo representava! estavamos deitados num futon no chão assistindo a terebi e eu, recostado na parede comendo alguma porcaria, vi debaixo da mesinha da tv o par de antenas rebuliçantes. "que diabo é isso aí?" murmurei pra mim mesmo, e mostrei pra ela com o dedo. o bicho, do nada, saiu correndo em nossa direção, procurando a segurança debaixo do futon. senti os cabelos na nuca eriçarem. dum pulo incrivelmente agil pra mim, levantei puxando a ponta do troço pra trás e tacando o que visse na minha frente pra esmagar o infeliz. olhei pra trás depois do desespero e vi o quarto revirado de ponta-cabeça, salgadinho e cerveja até no teto, e ela caida de costas no chão. "voce tá doido, é??".... eu só procurava o desgraçado: "voce viu ele vindo pra cima da gente??? cade ele? cade ele??". não achei mais. revirei o quarto e não achei o bicho. nem preciso dizer que não dormi aquele dia, só pensando "mas que merda de inseto era aquilo?". no dia seguinte perguntei pra um japa o que era e ele me explicou mais ou menos, dizia que era "abunai" (perigoso). dalí a dois ou tres dias depois vi a reportagem na tv e foi o que me bastou pra passar a abominar aquele inseto com todas as minhas forças - ou fraquezas.

    no proximo inverno que viria eu teria pesadelos frequentes com o bicho. sonhava que eu entrava no quarto e o chão forrado de gejis como se fosse formigueiro mexido com uma varinha, na parede, no teto. era horrivel, acordava apavorado me batendo todo, que nem doido. no dia que fui embora do Japão, dentre todas as coisas que iria sentir falta, tive aquela impressão que a grande compensação disso é que nunca mais iria ver outro daqueles bichinhos asquerosos. "graças a deus que aqui não existe nenhum desses", eu me aliviava. "...mas e se um desses entraram na minha mala, no derradeiro momento lá na casa?... e se no Brasil ele vazar prum mato qualquer e o calor for propicio pra se reproduzir com uma especie local??... e se não houver um predador natural pra essa merda???..."

    por fim nunca vi um desses rastejando por aqui na terrinha, thanks Jah Almighty... e se alguém trouxe essa praga pra cá, queime no inferno. tenha certeza que eu não fui.

    sobre o velho safado

  • segunda-feira, 12 de janeiro de 2009
  • Wash.
  • Acho que são essas - entre outras coisas - que fazem de Bukowski um dos melhores escritores de toda uma geração. tudo bem, eu sei que existe um certo frisson sobre a exaltação da marginalidade, alcoolismo e essas coisas escrotas que o velho safado escrevia, mas isso já nem é problema meu. depois de anos descobriram que esse filho da puta era bom, e daí? azar de quem chegou tarde. o lance é que entre uma e outra releitura de seus contos, as vezes me deparo com trechos que já tinha lido antes e me mijado de rir, e depois de anos eu releio e tenho a mesma reação. como esse trecho:

    "se passo um dia sem cagar, não consigo sair nem fazer coisa alguma, fico tão desesperado que muitas vezes tento até chupar o meu proprio caralho só pra ver se dá pra tirar a rolha do intestino e esvaziar tudo de novo. E quem já tentou chupar a própria pica sabe perfeitamente o esforço tremendo que isso exige dos ossos da coluna, da nuca e de tudo quanto é musculo, enfim.

    a gente bate aquilo até ficar o mais comprido que pode, depois é preciso dobrar o corpo de fato feito qualquer desgraçado suspenso num pau de arara, com as pernas passando por cima da cabeça e presas à cabeceira da cama, o cu se retorcendo como pardal morrendo na geada, espremendo ao maximo o barrigão repleto de cerveja, todo o revestimento dos musculos quase estourando em frangalhos, e o que mais dói é que não se fracassa por trinta ou sessenta centimetros - mas por coisa de milimetros: a ponta da lingua quase tocando na cabeça da pica, mas o tempo que se leva e a distância que não se alcança poderiam equivaler tanto a uma eternidade como a cinquenta quilometros. deus, ou seja lá que porra for, sabia muito bem o que estava fazendo quando nos criou."

    (trecho do conto "O Hospicio logo a leste de Hollywood")

    agora diz: que tipo de genialidade - ou derrotismo - faz um cara escrever sobre perder corridas de cavalo, acordar vomitado e cagado na rua sem saber como foi parar lá, ou tentar chupar a propria pica, entre outras coisas?? outra coisa que me intriga. sem querer parecer um comentário segregante, mas sem fazer rodeios: como um cara com a capacidade social que ele se apresentava - amigos daquela estirpe, só conseguia sub-empregos, perfil de iletrado e vagabundo... como um cara assim escrevia tão bem??? well, sei lá. só sei que saia bom. é cativante. pena que a maioria de nós que lemos nunca entenderemos de fato do que se tratava essas coisas. eu nunca tive de dormir na rua de fato, por falta de opção. nem nunca fui jogado pra fora de um bar; já fui convidado a me retirar, mas não socado e jogado pra fora... enfim, não tenho e não conheço ninguem que tenha esse "apuramento prático" pra escrever sobre essas coisas. sem contar que o velho era forte, era um tipo bem durão pra aguentar tudo o que relata que passou. bom, ao menos ele sabia rir da propria desgraça, afinal a estoria sempre fica mais engraçada quando a merda toda já passou...

    as desventuras de Benzina, o maior mentiroso do mundo.

  • sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
  • Wash.
  • já me disseram que eu tenho um certo "know-how" pra contar estórias. assim como um Forest Gump, menos simplista retardado caipira e mais ácido. ok, ninguém nunca me chamou de Forest Gump: a interpretação instantanea é que estão te chamando de retardado ou mentiroso, das duas uma, e ninguém quer passar o carão de ter que responder essa indignação. então essa é uma definição que eu mesmo escolhi. a verdade é que eu não sou nenhum mestre da comunicação falada, nenhum Jota Silvestre... e também não sou nenhuma ostra monossilábica, mas prefiro falar o necessário, o que convém pra ocasião certa na hora certa, e assim evito de ser um mala. antes mudo do que mala. mas de qualquer forma, existem estórias que valem a pena serem lembradas, e obvio, de pessoas que contam estorias que valem a pena serem lembradas. estava num onibus dias atrás quando um Fusca com teto solar passou ao lado do onibus e pah!... lembrei do Benzina.

    cara, o Benzina era uma dessas figuras (i)memoráveis, assim por dizer. aposto que algumas pessoas nem se lembravam dele até ler essa estória, aposto que nem pelo nome se lembrariam dele, ficariam pensando "...Benzina, Benzina.... quem era esse cara mesmo?..." , até porque era uma figura tão ordinária, tão ninguém, que nem mesmo o nome dele sabiamos. era só Benzina. certa vez, depois de uma das suas espetaculares incursões nos nossos assuntos particulares, ao sair, ficamos tentando descobrir quem o conhecia de verdade, quem apresentou ele pro resto dos garotos e porque ele colava na nossa banca pra contar aquelas estórias cabeludas? ninguem soube responder. mas a intermission sempre se dava do mesmo modo: ficavamos sentados nos bancos do condominio, um grande grupo de moleques, conversando sobre garotas e carros e guitarras e qualquer outro assunto aleatório que interessa aos garotos, e esse cara chegava, contava uma proeza e sumia do mesmo jeito que havia aparecido: do nada pra lugar nenhum. mas com certeza todos se lembram dessas balelas incriveis que ele contava, estórias de cunho duvidoso e sem testemunha viva que pudesse confirmar cada palavra que saia de sua boca, mas que ele contava de forma tão convincente e expressiva que acreditavamos piamente... até chegar o "gran finalle" que ele ostensivamente arrebatava o caso e que, enfim, confirmavamos a falta de vergonha do cara de nos contar tamanha mentira sem ao menos ruborizar.... era vergonhoso. pra ele, quando saia, lógico.

    bem, por qual dessas desventuras eu começo?... talvez uma das melhores era a da descida da estrada de Santos. dizia ele que uma noite estava descendo a estrada velha sinuosa que escala a Serra do Mar paulista montando uma moto, uma boa e velha Suzuki 7 galos. moto potente, viril. moto de macho, de cara forte que aguenta os guidões em rodovias curvilíneas e molhadas. descia a estrada vigorosamente, com o ponteiro atingindo a maxima velocidade que poderia. ele dizia "no talo". a certo ponto da descida, um defeito elétrico atingiu o farol dianteiro, provavelmente pela fina chuva que caia insistentemente naquela noite escura, sem lua. foi sem farol mesmo, na raça. guiou-se pelo instinto de quem fazia aquele caminho pela nésima vez. ao fazer uma das curvas mais fechadas da descida, num lance do acaso, deu de cara com um caminhão atravessado na pista, que já não era tão larga. o triangulo que sinalizava o empasse estava muito em cima do lance e a velocidade não lhe permitiria frear: ou bateria de frente com a carga atravessada na pista ou desviaria em direção ao inevitável precipicio. e agora, o que faria nosso heroi Benzina???...

    mas eis que estamos falando do Benzina! e a sagacidade da pessoa o precede, por deus!! sem pensar duas vezes e sem reduzir a velocidade, num micronésimo de segundo, Benzina não pestanejou: jogou um falso cavalo-de-pau com a moto, caindo de lado e escorregando em direção ao caminhão, e passou por debaixo do chassi da carreta... ao sair do outro lado, só deu um impulso com o peso do corpo na direção contraria da inércia da moto e a colocou de pé novamente, seguindo caminho pela estrada com apenas alguns arranhões e esfolados na jaqueta! mito! um genio rebelde! um verdadeiro espartano moderno do volante!

    uhum, ficamos boquiabertos com tamanha cara-de-pau que o cara teve pra contar uma estória dessas pra gente. despediu-se de todos e saiu, triunfante. não estava nem na esquina do prédio enquanto nos entreolhavamos e as gargalhadas explodiam. coitado. talvez teria dado certo: se tivessemos 5 anos de idade e se esse filme do Steven Segall não tivesse passado na tv naquela semana... ele não contava com isso, tsk!

    "mas deixe estar", deveria pensar o Benzina: "semana que vem eu acerto..." e ele sempre tentava. enfim, a gente merecia dar umas risadas da vida dificil, de vez em quando.

    ah sim, eu falava do Fusca com teto solar ao citar o Benzina: essa eu deixo pro final.

    sobre hibiscus

  • sábado, 3 de janeiro de 2009
  • Wash.
  • primeiro de janeiro, 2009. um dia quente de verão, sentado à beira de uma piscina, bebendo cerveja e conversando com os amigos e me lembrei, não sei porque, de um outro dia quente de verão, mas em 1978 ou 79. Eu voltava da padaria com meu pai. Passavamos pela calçada ao lado de um pé de hibiscus - não sei como se chama essa flor vermelha que se vê nos cabelos das belas mulheres caribenhas pintadas por Gauguin - as conheço como hibiscus, enfim. Passei pelo pé de hibiscus e peguei uma bem grande e vermelha, aberta. Meu pai, na sua momentanea incompreensão, logo ralhou comigo: "joga essa flor fora, pô!! andar com flor é coisa de maricas!..." Me livrei imediatamente, no susto, quase como se a flor tivesse me dado um choque. Meio que inesperadamente nesse dia descobri essas diferenças básicas entre ser um homenzinho e ser um mariquinhas. E eu que só havia apanhado a flor era pra entregar à minha querida mãe...