sobre fantasmas e "obakês"

  • quinta-feira, 24 de julho de 2008
  • Wash.
  • o teto irregular do meu quarto me causa a impressão de estar num cenário daquele filme marco do cinema expressionista alemão, O Gabinete do Dr. Caligari. dá um certo receio; chego a imaginar se o sonâmbulo Cézare não estaria ali fora me espreitando, esperando pra que eu durma...

    ***

    às vezes imagino deitado também, sob a luz da tela do computador, que ali naquela quina da parede começa a brotar um tufo de cabelos negros e lisos, assim como daquela mulher absurdamente escrota daquele filme de "obakês" nipo-americano The Grudge, e já me corre um arrepio da espinha até a nuca. conto pras pessoas que eu me borro de medo pra esse filme e geralmente não entendem o porquê: "ahhh, tem filme pior, mais assustador que esse! é até bem bobinho, pra falar a verdade!"... é o que costumam comentar sobre ele. é verdade, tem filme que assusta mais; mas geralmente não me impressiono com filmes. mas esse em especial me impressiona. esses bagulhos bizarros e inexplicáveis do imáginario japonês me assustam de fato; primeiro porque eu sei que nem tudo é "imaginário" nessas estórias: elas tem um fundo de verdade, distorcido, mas tem. não sei se a culpa disso se deve ao ímpeto sádico da personalidade japonesa, ou talvez pela natureza confusa da visão espiritual da pós-vida no shintoísmo. enfim, é algo quase inalcançável pra nós, reles materialistas ocidentais, o politeísmo oriental, a reencarnação, o karma, essas coisas todas; e segundo, porque eu já morei numa porra de uma casa idêntica àquela do filme...

    "Obakê" é o termo em japonês usado pra fantasma, assombração. existem várias entidades do mal na cultura japonesa, e geralmente elas são cruéis. não que o imaginário católico também não seja, com suas crucificações, infernos com penúrias indescritíveis e tal; mas a crueldade japa envolve tortura com agulhas, cordas, espadas, castração... é uma crueldade MUITO cruel, se é que me entende!! e mulheres de branco com cabelo na cara... eca!, como odeio essa personalidade! e por incrivel que possa parecer - corro o risco de perder toda a credibilidade pelo que vou contar... mas eu já vi algo parecido com aquilo.

    acho que foi em 2000, deve ter sido. era um inverno brutal, coisa de 8, 10 graus abaixo de zero no meio da noite, e eu tava na casa de um casal de amigos que moravam em Suwa-chi, cidade vizinha a que eu morava na época, Chino. pra chegar de Suwa à Chino haviam dois meios: pegar a "kousôko" intermunicipal e pagar pedágio, ou subir pela encosta da montanha que dividia as duas cidadelas. a montanha era muito mais escura, dessinalizada e fria, mas quem se importa? meu carro tinha pneu pra neve, aquecimento e faróis!... e fui pela montanha mesmo. no pé da montanha a iluminação da estrada acaba e vc tem que se virar com os faróis do próprio carro, subindo as curvas sinuosas e super-fechadas até o topo. precisa de uma certa agilidade - e paciência - pra chegar até o topo. uns 20 minutos, baseando na altura da neve na estrada e na velocidade segura pra não derrapar e cair no precipício...

    enfim, chegando no topo da montanha havia um trecho reto, de um ou dois quilometros, até iniciar a decida do outro lado pra chegar na minha cidade. eis que no meio desse trecho reto, um local deserto em que a estradinha era rodeada de floresta de tundra e neve, somente isso - eu meti um farol alto pra ver a distância, já que era improvável o tráfego de veiculos naquele clima e naquela hora, além do meu, e não ia atrapalhar ninguém. me lembro claramente, como se fosse agora. quando subi o farol, passei por uma figura que não deveria estar ali, daquele jeito, naquela hora da noite. a visão foi rápida, primeiro pela minha velocidade e depois porque não quis parar pra ver direito ou tentar ENTENDER o que seria aquilo que eu vi: uma pessoa, parecida com uma mulher (não tenho certeza porque não vi seu rosto) vestida toda de branco parada na beira da estrada, com um cachorro também branco ao seu lado. ela estava lá, ereta e imóvel, em pleno meio do nada que faziam 10 graus negativos, com 30 centimetros de neve no chão, vestida só com um pano branco dos ombros ao chão. dois detalhes deixavam a figura ainda mais incompreensivel pros olhos: não vi seu rosto, talvez pela velocidade que passei, mas talvez porque era uma coisa TODA BRANCA no lugar de um rosto. e não consegui notar PÉS fixados no chão.

    passei por essa "coisa" sem nem pensar em parar pra saber o que uma mulher fazia ali, naquela hora, naquele frio, com aquelas roupas aparentemente finas. olhei pelo retrovisor pra ter certeza do que vi. a luz vermelha traseira indicava que a coisa não se moveu um milimetro sequer assim que passei por ela. nem o cão. continuaram lá, imóveis. NESSE MOMENTO que escrevo isso, minha credibilidade só não vai por água abaixo, porque a minha co-piloto no momento olhou pra mim e disse: "VOCE POR ACASO VIU AQUILO?"... a minha resposta foi direta: "vi. não olha pra trás e REZA pra esse carro não parar aqui agora."

    graças aos céus o carro não parou. cheguei em casa são e salvo, mas não consegui dormir direito aquele dia pela dúvida do que eu vi. posteriormente contei o episódio pra alguns amigos. perguntei se existia alguma estátua no local ou coisa parecida, mesmo sabendo que não era uma estátua que eu vi aquele dia. ninguem soube responder. a maioria não entendeu, outros acharam que era mentira minha. engraçado esse medo primitivo que a gente sente por coisas que a gente não entende. mas não deixa de ser MEDO. é primitivo, mas é forte.

    sobre uma noite na Vila Mimosa

  • terça-feira, 22 de julho de 2008
  • Wash.
  • pessoas passam por experiências na vida que, com certeza, deveriam ser registradas para a posteridade. ter um ataque do coração, por exemplo. ou pegar uma onda de 50 pés. trombar um urso marrom numa floresta e sair ileso pra contar a estória. ou quem sabe presenciar uma chuva de sapos... bem, eu tenho uma experiência de vida pra esse devido registro: um passeio noturno pela Vila Mimosa.

    em 2005 fui ao saudoso Rio de Janeiro pra dois showzinhos intimistas, que ficou algo entre amigos, basicamente. um dos shows miou e acabou rolando um só, e o dia seguinte foi pura diversão de turista-nerd-branquelo-que-nunca-sai-de-sãopaulo; tudo bem que não foi as mil maravilhas: tava um calor insano que eu nunca havia passado antes, de 41 graus marcados no termômetro da praia, e o Podrinho derrubou um coco verde em cima do meu dedinho do pé, esmagando o pobrezinho... mas fora isso foi bom!...

    anyway, na noite do show nos dirigimos ao local e passamos o som, assim bem urgente e homogêneo, e pronto, ficamos de bobeira do lado de fora, esperando o início dos shows da noite e observando o movimento de pessoas vestidas com camisetas pretas e calças grossas e sobretudo e coturnos em plenos 37 graus que a noite fazia... e tentando entender se aquilo fazia sentido. foi quando nosso ilustre impagável amigo Luis Menezes, nosso cicerone oficial das belezas e presepadas da Cidade Maravilhosa, teve uma idéia sensacional: "ei... quero levar vocês num lugar boladasso! é aqui do lado, 3 quadras daqui, sacoé??... vamo na Vila Mimosa", ele disse no seu carioquês fluente. "já ouviram falar?"; eu já tinha visto uma reportagem num programa que chamava "Documento Especial", uma espécie de Globo Repórter trash que passava na extinta rede Manchete, quais os temas recorrentes sempre envolviam putaria, brigas de traveco, voodoo, bizarrices, coisas escrotas e afins; coisas que jovens pré-internet como eu adorava ver na tv no começo dos anos 90. a matéria apresentava a Vila Mimosa, um vilarejo incrustado a caminho da zona norte do Rio, próximo à Praça da Bandeira, que abriga provavelmente a maior quantidade de prostitutas por metro quadrado no mundo. parece que o lugar existe a 80 anos e, por problemas relativos óbvios, já mudou de lugar duas vezes até encontrar seu destino atual ali, a 4 quadras de onde estavamos.

    "bora pra lá!", topei na hora com o Menezes. o pessoal todo também se empolgou e vamo que vamo, em direção ao sensacional shopping de putas. uma quadra antes de chegar, o Menezes parou e virou pra gente. "perae. é o seguinte: o lugar tem regras próprias e é melhor eu explicar pra vocês antes da gente passar daqueles portões (não sei porque mas na hora me veio a Divina Comédia na cabeça...) porque passou dali, nem a policia manda: eles só vem pra buscar o corpo estendido no chão...; procurem não embaçar em mulher que já estiver acompanhada. tentem não esbarrar nem pisar no pé de ninguém. procurem não deixar nenhuma delas nervosa, porque rola uns seguranças locais. e garotas: melhor vocês não entrarem, porque a probabilidade de confusão DOBRA" - e o coro das garotas foi de decepção - ...senhores: comtemplem a VILA MIMOSA!!!

    tenho que dizer que não foi a mesma impressão de curiosidade que me abateu quando vi o documentário. foi diferente. foi MUITO MAIS intenso. foi um misto de contemplação com um certo receio, um medo profundo contido com espanto pelo absurdo da situação. confesso sim que fiquei com medo pela inospitalidade do território. parecia que as pessoas farejavam com seus narizes que não eramos dali!!; mas isso foi por um momento breve de adaptação e de repente estavamos perambulando por entre as vielas avermelhadas pelas luzes dos puteiros, empencada de gente que cheirava a graxa e álcool, de suor forte e frontes oleosas. seguiamos o fluxo das pessoas, com aquele puta receio de que na próxima curva das vielas fosse um beco sem saida, ou uma emboscada sinistra. mas não, era só uma impressão estranha, pois todas as vielas se entrelaçavam. com o tempo fui sentindo até que o ar de cada puteirinho era convidativo, afinal essa era a intenção: convidar!

    aos pés de portas vermelhas ostentavam-se mulheres seminuas, vestidas por micro-shorts e tops, as vezes uma alegoria de carnaval, um tapa-sexo, as vezes sem a parte de cima; a cada sobradinho de cada viela uma surpresa qualquer, mesas de bilhar, mulheres corpulentas sentadas uma sobre as outras; passamos por uma grade que expunha 3 garotas com as pernas escancaradas para os transeuntes, e sobre elas pendia uma placa com os dizeres "$1 REAL A DEDADA"... só imagino quantas mãos mal-lavadas ao dia passavam por aquelas... não. melhor não imaginar. eu era nesse dia um típico turista gringo: vestia uma camisa havaiana florida, bermuda estilo US ARMY, chinelos de dedo e um boné de baseball. o Menezes olhou pra mim e disse "vamos curtir um pouco: finje que tu é gringo e começa a falar em inglês..." entrei na onda e comecei a balbuciar palavras em inglês, pra não ficar muito óbvio meu fingimento, e algumas mulheres já se interessavam de forma diferente perguntando pra ele se eu não queria dar uma provinha do material em troca de uns miseros niqueis, se quisesse nem precisava pagar!!: a cara era, lógico, arrumar um gringo endinheirado e sair daquele lugar, quem não queria???

    enfim, isso se passou em 20 minutos. óbviamente tudo ficou só nas risadas e na impressão de algo dantesco presenciado; não nos aprofundamos em nenhuma dona, claro. nossas namoradas nos esperavam do lado de fora do portão, um show nos aguardava em poucos minutos e, o mais importante e transparente, ninguém ali tava afim de voltar pra casa com uma facada no bucho ou, numa hipótese pior ainda, uma doença sexualmente transmissivel mortal no coro. de qualquer forma foi uma experiencia visual incrivel. mais tarde um gringo que nos acompanhava no dia também se aventurou a conhecer a famigerada vilinha, e a cara que ele voltou de lá foi impagável, aquela cara de "não acredito que aquilo que eu vi existe mesmo". o resto da noite não teria sido igual sem aquele passeio. obrigado Menezes.